Cartas (XiuHan)

7/12/2013


C A R T A S


Noite passada eu sonhei que estávamos deitados lado a lado, como costumávamos fazer quando mais jovens. E então eu quase consegui sentir o cheiro suave do seu perfume, e foi como se milhares de fragmentos de você me alcançassem e eu pudesse te ter novamente à minha frente.

Eu lembrei quando te perguntei qual era o seu maior medo, nossos braços colados e nossos corações batendo juntos. Tum. Tum. Tum. Você demorou tanto tempo para responder que eu jurei que não teria uma resposta. Conseguíamos ouvir, lá atrás, as pessoas, onde a cidade vivia e todos seguiam seus caminhos, completamente alheias a dois corações batendo no mesmo compasso. Eu esperei por muito tempo. “Eu acho que meu maior medo é enlouquecer” você finalmente me respondeu em um sussurro. Por muito tempo aquelas palavras me perturbaram, porque as pessoas deveriam ter medo de morrer, de assassinos, do tempo, do amor. Qualquer uma dessas coisas que nós normalmente ouvimos.

Mas então seu maior medo era enlouquecer e por uma fração infinita de segundos eu fechei bem meus olhos, a grama onde estávamos deitados arranhava minhas costas, pinicava, quase machucava, mas eu permaneci na mesma posição, sem mover nem um músculo. O vento soprou e trouxe seu cheiro com mais força até mim, e eu fui violado por aquele aroma que era uma mistura de todas as melhores coisas do mundo, e então eu senti sua mão encontrar a minha, acariciaram os nós dos meus dedos e eu era infinito porque tinha você.

•••

Há um milhão de coisas para falar dele.

Kim Minseok. Cabelos escuros. Lábios róseos. Olhos rasgados em castanho. Cheiro de grama, pasta de dente e nuvens. Verbal. Romântico.

(Havia uma página perdida dentro de um baú no fundo do guarda roupa. Declarações impossíveis, divagações infinitas. Você me disse algumas muitas vezes que o amor era inexplicável, mas mesmo assim tinha milhares daquelas páginas rabiscadas de qualquer jeito dentro de uma gaveta no seu quarto. Coisas que você nunca me enviou e que chegaram, pouco a pouco, às minhas mãos no decorrer dos anos. Você colocou cada uma dessas páginas em lugares diferentes, onde eu demoraria muito tempo até encontrar. Você me fez louco. Me fez seu.)



O mundo parecia estar inteiro coberto de nuvens espessas antes de Minseok convencê-lo a colocar as mãos ao redor dos olhos e ignorar todo o resto de coisas. Pouco a pouco, milhões de estrelas começaram a surgir em frente aos seus olhos, quando todas as luzes pararam de ofusca-las. Ele o puxou para baixo, algum tempo depois, rindo de toda a incredulidade estampada nos olhos de Luhan. Suas costas encontraram a grama e o céu era lindo.

“Elas estão sempre lá” ele disse lentamente. “Você só precisa parar e olhar para o céu.” Sua mão encontrou a de Luhan. “Talvez o amor seja como as estrelas” Sussurrou por fim.

“O que quer dizer?”

“Que a gente sabe que o amor existe. Ele está lá, mas não podemos tocá-lo. Às vezes as coisas mais bonitas que podemos encontrar estão à nossa frente e, por algum motivo, deixamos de admira-las achando que mais tarde teremos tempo. Que nunca vamos morrer. Que vamos sempre ter pelo menos uma última chance.”

“Você está errado” Luhan murmurou depois de algum tempo.

“Por quê?”

“Eu estou te tocando agora.”

•••


A primeira página escondida que Luhan encontrou foi aos dezoito anos.

Ele estava cansado. Seus olhos ardiam e sua cabeça doía. A página estava ligeiramente amarelada por causa do tempo que se passara, a tinta borrada em algumas partes. Havia uma data, a letra curvilínea e bonita sem muitos floreios que ele conhecia muito bem faz seu coração bater com toda a força do mundo dentro do peito.




03 de Abril de 1993.
Quando eu tinha três anos de idade, conheci um garoto que mudou minha vida.

Ele tinha olhos sinceros e um sorriso capaz de derreter uma cidade inteira coberta de neve. Ele sempre foi mais inteligente. Ele sempre me ajudou quando eu precisava e tinha os melhores abraços que alguém algum dia vai receber. Ele me deixou uma boa primeira impressão, após meter um soco no rosto de um coleguinha na festa de aniversário aonde nos vimos pela primeira vez (eu não lembro, mas mamãe costuma dizer que eu arregalei meus olhos e prendi o ar).

Luhan é as estrelas e eu sou o céu. Porque o céu é bonito, mas cobertos de estrelas é perfeito. Eu acho que ele demorou algum tempo para entender isso, porque eu demorei algum tempo até conseguir me aproximar dele. Ser seu amigo. Eu entendia o receio dele. Eu estava morrendo.



Quando terminou de ler as palavras, era como se milhares de coisas quebrassem dentro de Luhan e ele continuasse a sangrar. Porque ele nunca havia parado. Havia um milhão de coisas presas em seu coração, em sua cabeça, e Luhan sentia a necessidade quase patológica e colocar, por favor, um fim naquela dor que parecia que nunca iria passar. Havia um desespero que lembrava angústia. Uma angustia que lembrava dor. Uma dor que o fazia sangrar.

Gritar.



Em 2006, Luhan tinha decidido que seria médico. Minseok sorriu quando escutou os sonhos de Luhan. Um sorriso cansado. Triste. Havia uma melancolia no ar naquela tarde de maio, enquanto eles andavam sem uma direção certa pelos lugares mais escondidos de uma cidade sempre esquecida pelo resto do mundo.

Mesmo que Minseok não dissesse nada, Luhan sabia que ele estava triste. Havia alguma coisa no sorriso dele, naquele sutil inclinar de lábios que repuxava não um sorriso, mas dor. Ele odiava olhar para o melhor amigo e ver aquele traço de dor em seus gestos, em sua expressão, tudo sempre camuflado pelo costume irritante de tentar ser sempre forte. Você não precisa ser sempre forte, Luhan murmurava para si mesmo, você pode quebrar às vezes, porque eu vou estar aqui para te consertar.


Foi naquele dia, no dia 20 de Maio de 2006, que eles encontraram aquele lugar pela primeira vez. Não era nada do que eles já houvessem visto. Foi como um acidente, depois de se perderem meio sem querer em um emaranhado de árvores na divisa da cidade. E lá atrás, atrás de tudo, havia um lugar que seria eternamente especial. A grama era verde, o céu era azul, o ar era puro. Era como um sonho. Como um cenário de filmes. E se tornou o lugar favorito deles. O lugar onde eles teriam as melhores e mais deliciosos segredos.




“Quantos amores você acha que alguém pode ter durante uma vida?”

A pergunta pegou Minseok desprevenido. Ele demorou algum tempo até responder – ele costumava fazer isso, pensar delicadamente sobre as coisas antes de responder. Luhan já havia se acostumado e mesmo que demorasse, sempre obtinha uma resposta para suas perguntas estúpidas e infantis.

“Eu acho que há várias formas de amar. Eu amo papai, mamãe, meu irmão, meu cachorro... você.”

Luhan sentiu um calor morno de espalhar pelo corpo, mas aquela não era a resposta que ele queria.
“Estou dizendo amores de amores.” Luhan disse, mesmo que não fizesse muito sentido, e o riso baixo de Minseok chamou sua atenção ao finalmente erguer os olhos para ele. “Você acha que alguém pode amar amorosamente quantas pessoas em uma vida?”

“Levando em conta que provavelmente não tem não amar amorosamente alguém, eu não sei. Acho que isso depende de cada um, Luhan. Mas mamãe costuma dizer que um amor é para a vida inteira.”
“E você concorda com isso?”

Novamente fez-se silêncio. Aquele silêncio que significava que Minseok estava minuciosamente pensando na resposta.

“Eu acho que sim, mas não queria acreditar em algo assim.” Antes que Luhan pudesse abrir a boca para fazer outra pergunta, ele continuou: “Se podemos somente amar uma pessoa a vida inteira, significa que quando eu morrer você vai sofrer o resto da sua vida. E eu quero acreditar que podemos ter vários amores, porque assim você eventualmente vai encontrar alguém que conserte seu coração partido.”

Luhan não conseguia mais enxergar Minseok. De repente passou pela sua cabeça que talvez fossem as lágrimas que tornavam tudo um borrão disforme.

“Você está sendo egocêntrico” Luhan murmurou e quando fechou os olhos, sentiu algo molhar suas bochechas. “Eu não vou passar a vida inteira sofrendo por você. Eu vou beijar muitas bocas e vou beber e vou transar e dificilmente vou me lembrar de você.”

Era mentira. Talvez Minseok soubesse. Talvez acreditasse. Mas continuava sendo somente uma mentira. E mentiras eram, algumas vezes, melhor que a mais pura verdade. Se Minseok dissesse a verdade, ele diria que quando Minseok partisse, ele não passaria de um homem quebrado e que todos os dias – meu deus, todos os dias! – lembraria dele.

Porque o amor acontecia apenas uma vez, e Luhan descobriu isso da pior maneira possível.
3 shippers