À Mão
Do lado de fora, as nuvens desmanchavam-se em chuva. Sentado na beirada da cama, com os olhos coçando de sono, Zhang Yixing soltou um suspiro inaudível quando olhou para os horários das aulas que fixara em um mural preso na porta do seu quarto. Se fosse qualquer outro dia, teria resmungado alguma coisa, inventado uma mentira qualquer para seus pais e então se arrastado de volta para a cama – como provavelmente todos os seus colegas fariam. Mas, naquele dia em especial, teria aula com seu professor preferido de matemática e por mais que dissesse para si mesmo que não seria uma boa ideia pegar três ônibus para chegar à escola com aquele tempo, não conseguiu se convencer a permanecer na cama por mais tempo.
Pulando
de um pé para o outro – em uma tentativa inútil e meio ridícula de se aquecer –
andou até o banheiro, arrancando as roupas pelo caminho e ligando a ducha no
mais quente que conseguiu. Olhou para o reflexo no espelho e gemeu quando notou
seu estado lastimável. Os cabelos estavam desgrenhados, o rosto amassado e, droga, havia nascido outra espinha em
seu rosto. Sentiu vontade de espremê-la, mas sabia que iria piorar a situação
caso tentasse.
Estava
passando pela típica fase que todo adolescente da sua idade passava. A fase em
que a mão não desgrudava do próprio pau e que espinhas nasciam em seu rosto e
que tinha sérios problemas para definir sua personalidade e, como se não
bastasse, sua autoestima estava não maltratada que o próprio Yixing sentia pena
de si mesmo. Não era popular na escola e muito menos entre as garotas. Não era
o mais inteligente da turma e não se destacava nos esportes. Era simplesmente
ele. Zhang Yixing, aquele que ninguém sabia o nome ou se importavam em
perguntar. Mais um aluno chinês em meio a tantos outros. E mesmo que não se
importasse realmente com nada daquilo, às vezes gostaria mesmo de ter algum
reconhecimento em qualquer coisa que fosse, por mais ínfima que fosse.
E
isso às vezes acontecia quando estava com seu professor de matemática.
Não
que Lu Han desse alguma atenção a mais à Yixing, desfavorecendo os outros
estudantes – ele era contra o favoritismo – mas o moreno sentia que entre os
dois havia alguma ligação diferente, uma ligação que o professor não
compartilhava com ninguém além dele. Isso o deixava imensamente orgulhoso de si
mesmo, porque pela primeira vez se sentia compreendido por alguém.
Por ser
muito jovem, Luhan raramente tinha alguma autoridade sobre os alunos para quem
dava aulas – às vezes, de algumas garotas que não eram cegas e reparavam no
quanto o professor era bonito. Mas Zhang Yixing sempre estava lá, prestando
atenção em suas palavras de uma maneira quase religiosa, absorvendo cada uma
das suas conversas e dos seus ensinamentos em uma confiança cega e admiração
febril.
E
não perderia uma aula de Luhan por nada. Nem que precisasse se molhar inteiro,
literalmente. Porque sabia que, no fim, valeria a pena.
oOo
Assim
que chegou ao portão do colégio e atravessou todo o corredor em direção a sua
sala de aula, esbarrou com os colegas de turma. Vislumbrou, por cima dos ombros
de Jongin, Luhan sentado em sua cadeira com a cabeça baixa e os pensamentos
aparentemente longes.
“Quase
ninguém veio por causa da chuva. Teve inundação por causa da chuva do outro
lado da cidade e quem mora por lá ficou preso. Nós decidimos ir embora, não tem
como haver aula com quatro estudantes.” Jongin explicou, pronto para voltar
para a casa.
“Mas
o professor está na sala!”
Indignou-se o garoto, cruzando os braços no peito e apontando para a sala. “Se
ele está lá, obviamente é porque quer dar aula.”
Jongin
deu de ombros, franzindo levemente o cenho antes de ajeitar melhor a mochila
nas costas. Yixing estava com as calças ensopadas, o tênis encharcado e as
meias tão molhadas que chegava a se tornar incômodo. Tinha a impressão que se
molharia menos caso tivesse saído de casa sem um guarda-chuva.
“É
você quem sabe.” Disse Jongin simplesmente, dando de ombros. “Eu vou é voltar
para a minha cama. Boa sorte com cálculos matemáticos, porque eu os dispenso.”
Yixing
observou Jongin se afastar, estupefato. Jogou o guarda-chuva no corredor para
não molhar a sala de aula e mordeu o lábio inferior quando Luhan ergueu o olhar
para ele e sorriu aquele sorriso que era o favorito de Yixing. Ele parecia
surpreso por algum aluno ter entrado e deixou aquilo transparecer em um
arregalar adorável de lábios. O mais novo era o único na sala de aula.
“Olá,
professor.” Yixing disse meio sem graça e coçou a nuca logo em seguida. “Você
está bem?”
“Eu
estou bem.” Luhan respondeu, fazendo um gesto para que Yixing se aproximasse e
se sentasse na primeira carteira, em frente à mesa do professor. “Você
aparentemente é o único disposto a estudar matemática às 7h da manhã de um dia
em que o mundo parece que vai acabar. Acho que isso te dá um ponto adicional
nas provas finais.”
“É.”
Yixing concordou, sorrindo todo covinhas. “Eu acho que eu mereço algum
incentivo por isso.”
“Mas
não conte para ninguém.” O professor anotou alguma coisa na caderneta e então
olhou para Yixing, entrelaçando os próprios dedos sobre a mesa. Desconfortável
com o olhar do outro, o moreno chutou a mochila para baixo da mesa e desviou o
olhar, pigarreando enquanto sentia o rosto meio quente em embaraço. “O que
vamos fazer? Eu não posso passar matéria já que você é o único estudante.”
As
coisas que passaram na cabeça do estudante eram tão erradas que seu rosto
esquentou ainda mais. Gaguejou um “não sei” baixinho, tocando a própria
bochecha.
“Para
a nossa sorte, eu sabia que ninguém viria hoje.” O professor disse de repente,
tirando de dentro da bolsa, que estava em cima da mesa, papéis coloridos como
se fizesse uma mágica. “Então trouxe isso! Você sabe fazer origamis?”
“Não...”
Respondeu, mordendo o lábio inferior e piscando.
“Você
quer aprender? Por favor, diga que sim! Eu realmente não programei outra
coisa.” Luhan riu, meio sem graça, e Yixing achou adorável o modo como ele o
olhava, como se pedisse para não ser contestado.
“Eu
adoraria.” O moreno respondeu finalmente, rindo de leve. Aceitou o papel
vermelho que o professor lhe estendeu e o apoiou sobre a mesa, aguardando as
primeiras instruções para tentar aprender alguma coisa. Era péssimo em artes
manuais, mas não queria passar vergonha, por isso tentou se concentrar ao
máximo no que Luhan explicava.
Às
vezes, quando não entendia algum passo, o professor segurava suas mãos e o
fazia amassar o papel da maneira certa, sempre paciente, com sua voz gostosa de
ouvir e aquela calma que Yixing tanto gostava. Quando sentia qualquer contato
físico por parte do mais velho, tinha vontade de sorrir ou cair em uma crise
infantil de riso, mesmo que não entendesse muito bem o porquê de todas aquelas
sensações. Sentia-se puramente e simplesmente feliz, como se pisasse em nuvens.
Passaram
horas fazendo aqueles origamis e a mesa do professor já estava infestado deles.
Entre risos, toques e palavras doces, Luhan o conquistou ainda mais. Era quase
improvável, mas havia acontecido sem que pudesse fazer nada para impedir.
No
fim, quando o final tocou e Yixing estava se preparando para ir embora, Luhan
tocou seu braço e estendeu um pequeno unicórnio que fizera com um pedaço de
papel branco.
“Ele
é tão fofo quanto você. Não é um grande presente, mas...” Luhan coçou a nuca
quando Yixing, maravilhado e com o coração batendo rápido, pegou o unicórnio de
sua mão.
“É
lindo! Obrigado.” Yixing riu, ajeitou a mochila no ombro e se aproximou do
professor para beijar sua bochecha. Sentiu-se esquisito porque não era normal
ter aquele tipo de contato com superiores, mas ao mesmo tempo foi bom sentir o
cheiro do perfume sutil de Luhan. “Lindo como você.”
Com
o rosto quente em embaraço, Yixing saiu da sala. Do lado de fora ainda estava
chovendo, mas dentro dele havia raios de sol brilhando em todas as direções,
fazendo-o sentir um calor confortável dentro de si. Com um riso e a convicção
de que alguma coisa havia nascido entre aluno e professor, Yixing saiu na
chuva, correndo com o unicórnio feito à mão seguro embaixo de sua camiseta.
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